sexta-feira, 11 de novembro de 2016

PERÍODO REGENCIAL

É o período de 1831 a 1840 na História do Brasil, compreendido entre a abdicação de D. Pedro I e a "Declaração da Maioridade", quando seu filho D. Pedro II teve a maioridade proclamada.

            A abdicação de D. Pedro I, aos 7 de abril  de 1831, pode ser vista como uma “complementação da independência”, na medida que a aristocracia rural eliminou um chefe de Estado suspeito que colocava portugueses nos altos cargos  governativos.  Entretanto, a classe dominante, com o objetivo de empreender a tomada efetiva do poder, estimulou em torno dos seus interesses, a força militar e camadas urbanas contra o Governo Imperial.
           
            Participando da insubordinação, que levou a abdicação, os setores sociais incitados pela aristocracia rural esperavam ao menos uma fatia do poder. Assim, após a derrubada do monarca tornaram-se evidentes as contradições originárias das raízes sociais dos participantes da revolta e suas diferentes aspirações políticas.

            No Período Regencial, portanto, as contradições de ordem sócio-política, anteriormente latentes amadurecem e chegam às vias de fato. O Período Regencial foi desta maneira o momento de confluência e solução dos conflitos do Primeiro Reinado ao mesmo tempo que criou as bases sociais e organizatórias do Segundo Reinado, sobretudo, através da dominação e alojamento definitivo no poder da aristocracia rural. 


            Os jornais desempenharam um papel importante no acirramento das paixões políticas. O assassinato de Libero Badaró, que, em São Paulo, dirigia o jornal de oposição ao imperador, O Observador Constitucional, precipitou os acontecimentos. O crime foi cometido por partidários do imperador, em novembro de 1830, complicando a situação de D. Pedro I. O principal foco de oposição ao imperador estava em Minas. Não podendo contar sequer com as forças militares, pois os soldados estavam passando para a oposição, D. Pedro resolveu visitar a província com a intenção de pacificá-la. Porém, o imperador foi recebido com frieza pelos mineiros, que preferiram homenagear a memória de libero Badaró.
            De volta ao Rio, os “colunas” (membros das Colunas do Trono) resolveram organizar uma manifestação de apoio a D. Pedro. Os “brasileiros” reagiram realizando uma manifestação contrária. Assim, partidários e adversários do imperador entraram em conflito no dia 13 de março de 1831, fato que ficou conhecido como Noite das Garrafadas. Com o propósito de conter os ímpetos radicais, O. Pedro se viu forçado a reorganizar o seu ministério. No dia 19 de março de 1831, formou o Ministério Brasileiro, com brasileiros natos, porém sem prestígio. O “partido português”, em 4 de abril, lançou uma nova provocação, comemorando o aniversário de Maria da Glória, filha de D. Pedro e herdeira legítima do trono português. Novos conflitos eclodiram entre as facções contrárias. Em 5 de abril D. Pedro dissolveu o ministério e organizou outro, francamente absolutista, o célebre Ministério dos Marqueses ou Ministério dos Medalhões.

            Ocorreu então uma nova manifestação no Rio, exigindo-se a reintegração do ministério deposto. Apesar da insistência de setores civis e militares, D. Pedro manteve irredutível. Essa atitude do imperador determinou a passagem de Francisco de Lima e Silva, comandante militar, para a oposição e assim o imperador ficou completamente isolado e sem apoio. Não contava mais sequer com as tropas para reprimir as manifestações. Já não restava alternativa senão abdicar. E foi o que fez, em favor de seu filho D. Pedro (futuro D. Pedro II), então com apenas cinco anos de idade. No dia 7 de abril, O. Pedro I deixou de ser imperador do Brasil e, em seguida, abandonou o país, mas não sem antes se reconciliar com os Andradas, nomeando José Bonifácio como tutor do seu filho.



         
1. A Regência Trina   

            A Constituição de 1824 previa para casos, como o de abdicação, a escolha de 3 nomes na Câmara e no Senado que ocupariam o pode executivo.  Entretanto, no momento da abdicação os deputados estavam de férias e, assim, faltava quorum. Formou-se, então, uma Regência Provisória que deveria governar até 17 de junho de 1831.

            Na composição da Regência Provisória assinalou, sobretudo, uma tentativa de equilíbrio político. Os seus componentes eram: senador Vergueiro, que representava a Revolução e as tendências liberais; marquês de Caravelas, representando o conservadorismo e a tradição monárquica e Francisco de Lima e Silva representando a força militar no equilíbrio de tendências.

            As reivindicações liberais, ainda que mais superficiais, foram atendidas: suspendeu-se o poder moderador, reforçando desta forma, o Legislativo e reintegrou-se o ministério (Ministério Brasileiro) deposto por D. Pedro I aos 5 de abril.

            A preocupação maior dos regentes concentrou-se entretanto, nas agitações realizadas pelos setores sociais despojadas do poder, principalmente os exaltados.
            Com a menoridade de Dom Pedro II, o Período Regencial foi marcado pela disputa entre três grupos políticos pelo poder. 
            Os três Grupos Políticos eram: os restauradores, os liberais moderados e os liberais exaltados. 

            Restauradores – Defendiam a volta de D. Pedro I ao governo brasileiro. Assim os Restauradores poderiam voltar ao poder. Participavam deste grupo os comerciantes portugueses. Ficaram conhecidos como "caramurus". Quando o Imperador se antepôs ao absolutismo, recebeu o apoio dos caramurus. 
José Bonifácio era um restaurador, e como muitos outros, apenas por interesse pessoal, este foi nomeado por Dom Pedro I como o tutor de Dom Pedro II, após a abdicação de 1831. 

            Moderados – Eram os situacionistas. Desejavam manter a estrutura agrária (exportadora e escravocrata). Não visavam a mudanças radicais na Constituição. Participavam deste grupo as elites agrárias do Sul e do Nordeste. Ficaram conhecidos como "chimangos". 

            Exaltados – Lutavam pela autonomia das províncias. Alguns desejavam a República. Participavam deste grupo as camadas médias urbanas e oligarquias periféricas. Ficaram conhecidos como "farroupilhas" ou “jurujubas”.
            A criação da Regência Permanente deu-se em maio de 1831. Seus  componentes eram: Bráulio Muniz, Costa Carvalho e Francisco de Lima e Silva. A vinculação “partidária” da Regência Permanente evidenciou-se como do partido moderado pela presença de Feijó no cargo de Ministro da Justiça. A preocupação primeira, e, talvez a central durante a Regência Trina foi a de eliminar as agitações; empreendimento este que deu destaque a Feijó (atuação do Legislativo).




2. A Atuação de Feijó

            Como foi dito, com a Regência Trina os liberais moderados se alojaram no poder, não abrindo mão, assim, de reformas realmente democráticas. Os liberais exaltados, em vista do caráter político partidário da Regência, aproxima-se das camadas mais pobres da população e conscientizaram-se que suas reivindicações somente seriam obtidas com a tomada do poder. Logo, a solução era a luta armada.

            Assim, os motins começam a ocorrer. Em julho de 1831, um Batalhão de Infantaria, juntamente com outro de Polícia rebelou-se no Rio de Janeiro. Os militares exigiam além de uma série de reivindicações, uma nova Assembléia Constituinte a fim de reformar a Carta de 1824.

            Frente às agitações, que se alastravam com rapidez, Feijó vê a necessidade da criação de uma nova força, militar, capaz de substituir aquela que se amotinara. Assim, aos 18 de agosto, foi criada a Guarda Nacional composta quase que exclusivamente pela aristocracia rural. A Guarda era formada pelos eleitores e sua função era manter a ordem política e manter a Constituição. A Guarda estava subordinada ao poder civil: cabia aos juízes de paz o recrutamento e o comando no nível municipal.  Os juízes de paz estavam subordinados ao Presidente de Província que por sua vez, submetia-se ao mando do Ministro da Justiça.  Feijó, muitas vezes caracterizado como ditador, durante a Regência trina, ficou com poderes excessivamente amplos.

            A Guarda Nacional consolidou o poder das oligarquias rurais, na medida que, estando comprometida com os grupos dominantes acobertava as fraudes eleitorais, permitindo abusos de poder.  A Guarda tomou, desta maneira sustentáculo do regime. Já no ano de 1831 e início de 1832 ela debelou levantes no Rio de Janeiro, assim como a setembrizada (1831), novembrada (1831) e abrilada (1832) em Pernambuco.

            Além dos exaltados os restauradores, com pretexto de restauração da Coroa, começam também a promover agitações. Os restauradores representavam, na verdade, a mais reacionária facção antiliberal e, na sua composição, encontravam-se elementos da mais alta projeção social, como os Andradas.

            A força dos Restauradores aumentou consideravelmente em 1832. Neste ano, Feijó e um grupo de liberais tentam, através de um golpe de Estado converter a Câmara em Assembléia Constituinte, sem o conhecimento do Senado, reduto de restauradores.  Havia sido elaborada uma Constituição que recebeu o nome de Constituição dos 3 Padres (Feijó, Custódio e José Bento).

            Entretanto, o golpe fracassou devido ao temor dos deputados em desencadear um processo revolucionário.  Feijó, por sua vez, viu-se pressionando pelos restauradores o que o levou a renuncia em agosto de 1832.

            Vitoriosos sobre Feijó, os restauradores intensificam os contatos com D. Pedro I e as agitações agora passam a ser empreendidas também por esta facção.

            Diante das contínuas agitações lideradas pelos restauradores, os moderados põe fim à transigência e desmantelam o partido restaurador em 1833. Os restauradores desapareceram efetivamente em 1834, com a morte de D. Pedro I.




3. As Reformas Liberais

            Após a repressão movida aos grupos extremistas pelos moderados foram realizadas uma série de reformas cuja meta era “deter o carro revolucionário”, segundo Bernardo de Vasconcelos.  As reformas empreendidas não alteram as bases da organização sócio-política definida pela Constituição.  As reformas satisfazem, sobretudo, os interesses liberais, frustrados no primeiro Reinado, de descentralização político-administrativa.

            A primeira medida, neste sentido, foi tomada em 1832, com a decisão do Código do Processo Criminal.  Através do Código, as autoridades judiciárias ficavam sob controle dos proprietários de terra.  Restabelecia-se a autonomia municipal:   os juízes de paz eram eleitos pela população local.  Além disso o Código regulava o processo eleitoral e o recrutamento da Guarda Nacional.

            Segue-se a publicação do Código, o ATO ADICIONAL de 1834, que, em parte, atingia a Constituição. O ATO estabelecia:

            1º.  Criação de Assembléias Legislativas Provinciais, substituindo os antigos Conselhos Provinciais, formados pelos Presidentes de Província.  Cabia as Assembléias legislar sobre assuntos impostos, desapropriação, etc..  Os antigos Conselhos Provinciais tinham, quase que exclusivamente a função consultiva.

            2º. Abolia o Conselho de Estado, que auxiliava o Imperador na prática do Poder Moderador.

            3º. Transformava a Regência em Una e eleita.

            O Ato Adicional foi revestido de certo caráter conciliatório na medida que atendia as reivindicações de diversas facções na tentativa de um equilíbrio político.




4. A Cisão dos Moderados (Regência Una)

            Feijó e a oposição regressista

            Em 1835 processaram-se as eleições para Regência Una – Os moderados, tomando como referência o Ato Adicional, restringiu-se em duas facções: progressista, defendendo o Ato e regressista, contrária a descentralização.

            A vitória nas eleições coube a Feijó. Apesar da diferença inexpressiva de votos (600 votos de diferença) a vitória de Feijó representou a ascensão dos progressistas.

            Entretanto, nas eleições para o Legislativo, em 1836, venceram os regressistas: a aristocracia rural temia, agora, as conseqüências do avanço liberal.  Eclodiram revoltas nas províncias: no Pará, a Cabanagem e no Sul a Farroupilha.  Por outro lado Feijó faz pouco para detê-las, pelas suas características liberais.

            A Câmara nega fundos a Feijó para debelar as rebeliões: teme-se um fortalecimento do Poder Central. Os atritos entre a Câmara e o executivo passam a ser constantes.

            O distanciamento do Feijó e os regressistas dilatou-se ainda mais com a questão clerical, cuja origem estava na nomeação do Padre Moura para bispo do Rio de Janeiro e seus projetos de mudança da Igreja no Brasil.  Feijó partilhava com o bispo os mesmos ideais o que desgasta ainda mais as bases políticas do Regente.

            Não bastasse este fosso profundo que separava Feijó dos regressistas, em 1837, morre Evaristo da Veiga, responsável pelo formal “Aurora Fluminense”m defensor de Feijó.

            Com a recusa, cada vez mais rigorosa, de conceder meios materiais para sufocar as rebeliões, por parte da Câmara, em 1837, Feijó renuncia.  O cargo de Regente é transmitido inteiramente para Araujo Lima.




5. Araújo Lima e o “regresso conservador”

            Em 1838, processaram-se as eleições para Regente. A vitória de Araújo Lima evidenciou as preferências pelo regressismo que pode ser verificado pelo terror dos proprietários de terra a descentralização.
           
            Araújo Lima coordenava  o “Ministério da Capacidade”, regressista, que já demonstra a necessidade de compatibilidade entre Executivo e Câmara para exercício da governação.

            A Cabanagem é debelada, enquanto que, novas revoltas eclodem: Sabinada, na Bahia e Balaiada no Maranhão.

            As revoltas nas províncias impulsionam ainda mais o regresso conservador.  Em 1840, Bernardo de Vasconcelos apresenta a Lei Interpretativa do Ato Adicional, que anula a descentralização proposta pelo Ato.  Ao mesmo tempo prepara-se a Reforma do Código do Processo Criminal, que será aprovada em 1841.

            Com o regresso conservador prepara-se a instalação do esquema Institucional que predominou durante todo o Segundo Reinado: a centralização político-administrativa.



AS REBELIÕES REGENCIAIS

            Após a abdicação de D. Pedro I teve início uma série de agitações que se estenderam por todo o período subseqüente.  Daí os historiadores caracterizam este período como o mais conturbado da História do Brasil.  Foi um tempo em que praticamente a Nação inteira conheceu rebeliões, arruaças, motins militares e pronunciamentos contra a ordem estabelecida.

            As inúmeras categorias que se configuram nesta fase tornam complexo um estudo sobre a organização das forças políticas.  Entrelaçam-se pretensões de caráter nativista, republicano, federalista, por vezes legítimas reivindicações de progressismo e até mesmo manifestações de baditismo.   Outros intuitos poderiam também ser alinhados como, por exemplo, a presença de ideais seccionistas e defesa de convicções absolutistas.   Embora proliferem tantas aspirações políticas, pode-se depreender, a despeito desta aparência intricada, algumas significações que servem para uma melhor elucidação do Período Regencial.  Numa perspectiva mais ampla isto significa que a caracterização da instabilidade política que se processou durante a menoridade se dá no quadro de acontecimentos que envolveram a Independência e o Primeiro Reinado.

            Como foi visto, a Independência do Brasil foi pacífica e assumiu uma roupagem conservadora.  Os setores sociais que a empreenderam visavam à manutenção das estruturas que protegiam seus privilégios.  Assim sendo estes setores eram firmemente contrários a qualquer mudança da estrutura social.  A importância do Príncipe Regente neste contexto prende-se aos seguintes fatos: primeiro, assegurar os privilégios da classe dominante através da Monarquia; segundo, atenuar, valendo-se do seu prestígio, os choques ou possíveis dissidências da classe dominante, projetando em nível nacional os interesses desta classe; terceiro, servir como instrumento imediato na resistência as Cortes.

            Desta forma, os proprietários de terra, ao elaborarem a emancipação, afastaram a possibilidade de agitações ou violências. O desencadeamento de uma onda revolucionária atrairia necessariamente outras camadas da população que poderiam ameaçar a estrutura vigente ou reclamar para si, posteriormente, uma maior participação no processo político.

            Assim, os procedimentos belicosos foram controlados e habilmente canalizados contra Portugal.  O Partido Brasileiro esforçou-se para demonstrar que inexistia qualquer contradição ou antagonismo de classe entre os nativistas.  Mas, na verdade quando se esboçava a reação a Portugal, surgiram  idéias divergentes quanto à forma de se realizar a Independência e quanto aos pressupostos que deveriam ser estabelecidos juntamente com a nova ordem.

            Mas, após  Independência a autonomia não se consolidara efetivamente.  Alguns obstáculos persistiram.  Comerciantes, políticos e grupos portugueses, aliados a partidários do absolutismo, apoiavam não somente o ascendente autoritarismo do Imperador como também a recolonização. D. Pedro, por seu lado, tomou consciência da sua função simbólica – manutenção da integridade territorial – e da posição secundária ao qual o Legislativo desejava colocá-lo.

              Entretanto, para fazer frente ao autoritarismo a classe dominante sentiu a necessidade de mobilizar os setores políticos e sociais mais radicais.  D. Pedro foi, assim, acusado de impedir reformas democráticas que poderiam melhorar a situação de miséria que pairava sobre camadas baixas.  Esta argumentação era uma forma de dirigir as massas e usá-las como agente de contestação.

            Agora, os nativistas uniram-se contra o suposto inimigo comum, o Imperador, exigindo reformas político-administrtivas, o estabelecimento do parlamentarismo e maior liberdade para as províncias.   Algumas reivindicações passaram, desta maneira, a escapar do controle da aristocracia rural. Alguns falavam abertamente da necessidade de reformar profundamente a estrutura da sociedade brasileira.  Mas, para o setor mais tradicional, interessava apenas o desgaste do autoritarismo de  D. Pedro e não a solução das contradições da sociedade brasileira.  O que se fazia então era protelar (=adiar) os conflitos.  A crescente oposição dos nativistas face ao autoritarismo do Imperador desembocou na Abdicação.

            A Abdicação revestiu-se num ato de grande importância para a consecução dos objetivos nacionais, na medida em que provocou a eliminação dos últimos resquícios de um possível vinculo com Portugal.  Embora 7 de abril empreendesse a consolidação do Estado Nacional, em termos ideais, a concretização de tal fato encontrou empecilhos devido as próprias incertezas em que se processaram a oposição ao Imperador e a forma da estruturação do poder após a Abdicação.

             A organização política das Regências levava a um grande impasse a aristocracia rural que havia movido a oposição a D. Pedro, em vista da sua determinação de marginalizar das posições de mando as outras camadas sociais que haviam exercido influência na Abdicação.  Estas camadas, que até então haviam se limitado a pressão revolucionária, agora, frente aos acontecimentos e da desilusão provocada pelo deslocamento político (= foi esquecido), consideram como única saída a propagação da violência.  Sim, o povo foi enganado (=ludibriado, logrado), viu que tinham lutado para os outros, constatando que as reformas por que aspiravam continuavam no mesmo lugar esquecidas depois da vitória como antes dela.

            A insatisfação das camadas populares foi um fator importante para a caracterização das rebeliões regenciais.  Entretanto, não convém exagerar afirmando que as rebeliões reproduziram uma autêntica luta de classes entre dominadores e dominados, possuindo estes uma orientação ideológica consistente.

            A principal semelhança dos movimentos populares era a desorganização e a rápida desagregação ocasionadas em grande parte pela aglutinação em torno de líderes ou indivíduos carentes de definição política.  

            Outra constante era a pronta iniciativa para quaisquer desordens ou agitações, mesmo sem propósito definido, servindo apenas como instrumento de setores da aristocracia em sua disputa pelo poder.
             As atitudes revolucionárias inconseqüentes das massas pode ser justificado, em parte, em função da estrutura social vigente que não contribuía para que ocorresse o contrário.  O Brasil organizara sua produção com objetivo de atender a demanda do mercado europeu.  Assim, sua posição periférica envolvia um tipo de estrutura social emergente do latifúndio gerado de um lado o mandonismo senhorial e de outro a escravidão.  Um sistema social constituído, como este, por uma maioria de escravos, não pressupõe um revés “dos debaixo” contra “os de cima”.  As categorias livres eram insignificantes, sendo representadas pela aristocracia rural, por “camadas médias”, mestiços, desocupados, negros livres e agregados.  Muitas vezes estes segmentos, sociais não chegavam a constituir-se em classe social de maneira nítida, mas simples aglomerados de indivíduos.

            Tal configuração impossibilitou a gestação de uma estrutura política afeita a debates ou que pudesse, ao menos, propiciar diretrizes que contestassem a predominância aristocrática.  Há que se considerar que isto não negava a existência de dissidências aristocráticas em nível nacional.  A classe dominante não manifestava harmonia entre seus componentes; ao contrário, as rivalidades no seu seio fizeram-se também presentes perfazendo o conjunto de agitações que marcam o Período Regencial.  Estas incompatibilidades foram exteriorizadas através do dilema centralização-descentralização e reproduzem um traço que tem suas origens na evolução histórica do Brasil: o caráter da ocupação, a posição de dependência em relação ao centro capitalista.  Os estímulos do mercado europeu favoreceram o regionalismo na medida em que a ocupação econômica do território foi sendo demarcada pela dispersão e diversificação das áreas produtivas de acordo com as exigências do mercado europeu.  Pode ser lembrado ainda como fator explicativo para o acentuado regionalismo, a inexistência de um mercado interno e a consecução gradual de um localismo de poder, manipulado pelas oligarquias rurais.

            As mudanças que surgiram como decorrentes da crise do antigo sistema colonial e a conseqüente emancipação política promoveram a emersão destes fatores.  Entretanto, estes fatores foram atenuados por causa da campanha contra Portugal e da solução política obtida, ao menos em curto prazo, pelo regime imperial.   Contudo após a Abdicação, as contradições tornaram-se mais intensas.  A vacância do poder e a necessidade de ocupá-lo com quadros políticos nacionais precários e sem grande projeção desenfrearam aspirações, descontentamentos e disputas das mais variadas.

            A tentativa imperiosa de articular o aparelho de Estado para abranger toda a extensão geográfica e com capacidade de fazer valer os preceitos da autoridade central encontrou um sem número de dificuldades.  A fórmula adequada para reprimir a pressão popular assim como afastar as tendências locais ou fracionadoras da aristocracia rural, que ameaçava a integridade nacional, não foi encontrada de imediato.

            Apesar de ameaçar com a desagregação territorial, as rebeliões ocorreram de norte a sul do país, expressando a fragilidade da união nacional.  As províncias desconfiavam e, por vezes, chegavam a negar a autoridade constituída no Rio de Janeiro, que relegava a um segundo plano a representatividade de algumas áreas ou então reunia representantes de regiões de interesse diversificados.  O poder situacionista enfrentou várias adversidades de origens diferentes.  A crise econômica acelerou a crise política.  Os produtos brasileiros encontravam portas fechadas no mercado internacional determinando recesso da produção de algumas áreas.  Não existiam recursos para atender as necessidades de um país que tentava firmar sua autonomia.  O reflexo político da situação econômica era a acusação de autoritarismo e incapacidade do poder central.

            As dificuldades do período encontram também explicação na imaturidade política da classe dominante.  O espaço que separa a Independência da crise regencial abriu o cenário para formulações políticas variadas nas diversas regiões do país.  Decorrente desta situação temos uma organização partidária instável fazendo a vida política girar em torno de algumas figuras de prestígio.

            Porém, vale ressaltar que as divergências da classe dominante eram de ordem político-administrativa.  Sempre houve concordância quanto à manutenção da grande propriedade e da estrutura escravista.  Enfim, a problemática do período traduz as dificuldades de uma classe social no seu empenho de se consolidar no poder e colocar-se acima das demais tendências. 




6. A Cabanagem ( 1835 – 1836 )

            A revolta dos cabanos constitui um prosseguimento das manifestações nativistas que se desenrolaram no Pará durante as guerras de Independência.  A influência portuguesa na região era forte, de modo que os paraenses tiveram que sustentar uma luta árdua contra o domínio lusitano, auxiliados, em agosto de 1823, pela intervenção do governo imperial.

            A luta no Pará se fizera mediante a mobilização popular e, embora fosse dirigida contra a Metrópole, ultrapassou com freqüência, este limites, provocando tumultos que atemorizaram os dirigentes do processo emancipacionista.  O governo imperial, em vista das agitações no Pará, recorreu para a manutenção da ordem através de repressão violenta.  Os excessos cometidos por Grenfell para abafar a agitação popular são bastante elucidativos.

            A independência do Brasil não significou, para a maioria paraense, uma solução.  A penúria da população era grande e as promessas de melhoria das condições sociais da gente pobre não foram postas em prática.  Viviam aos montes nas beiras de rios em habitações miseráveis (em cabanas, daí o nome das pessoas moradoras de cabanos).  Daí a origem da expressão cabanos (cabanagem), como foram chamados os revolucionários.   

             A princípio os cabanos foram liderados pelo cônego Batista Campos que se destacara em várias lutas contra a Metrópole (=Portugal).  O cônego possuía enorme prestígio entre os cabanos, embora seu comportamento político fosse ambíguo.  Foi preso diversas vezes e graças a sua participação e liderança revolucionária tornou-se possível, posteriormente, o surgimento de um movimento revolucionário mais articulado.

            Os cabanos conseguiram ascender ao poder por três vezes consecutivos.  O primeiro êxito revolucionário deu-se em janeiro de 1835, em virtude das agitações dos anos anteriores.  O desencadeamento do processo insurrecional está ligado à política enérgica e intransigente de Lobo de Souza.  O Presidente da Província, além da repressão movida contra setores populares, lança mão de um expediente impopular: o recrutamento militar intensivo para as forças militares de terra e da Armada.  Tal expediente constituía uma maneira de afastar os elementos políticos mais incômodos ao governo.

             A “ralé esfarrapada”, num trabalho de intensa agitação tanto na capital como no interior, organizou um movimento armado.  A preparação do levante armado faz nascer líderes como, Ferreira Lavor; os irmãos Vinagres; Clemente Malcher e Eduardo Angelim.

            Após a derrubada das principais autoridades de Belém, os cabanos organizaram o primeiro governo revolucionário sob liderança de Malcher, que logo se indispôs com os insurretos por não atender às suas várias reivindicações e desaprovar a agitação reinante.  Assim, foi destruído de forma trágica quando suas atitudes políticas foram consideradas anti-revolucionárias.

            Os revolucionários substituíram Malcher por Francisco Vinagre, que não diferenciou muito do seu antecessor.  Desta maneira, os cabanos estavam sendo vítimas dos seus próprios líderes.  Francisco Vinagre encontra oposição ferrenha por parte do seu irmão, Antônio Vinagre, em decorrência das tentativas do primeiro em conciliar se com a Regência. O movimento enfraquece, na medida em que as divergências de opiniões internas aumentam e políticos paraenses tiram proveito do enfraquecimento, manifestando apoio ao governo central, reivindicam a intervenção.

            Mesmo engajando mercenários para subjugar os setores mais radicais e conseguindo empossar um novo Presidente da Província, os representantes do poder da ordem conseguiram apenas uma estabilidade efêmera.  Os sublevados não arrefeceram e, após vários levantes, marcharam mais uma vez sobre a capital formando um novo governo revolucionário.  Desta vez  a liderança esteve nas mãos de Eduardo Angelim, que formou um novo governo.

             Desta vez, também, não tardaram as brigas internas entre os revoltosos. Ao lado disto, a luta prolongada e sucessivas traições de que tinham sido vítimas abalaram profundamente. Assim, mesmo, conseguem manter-se no poder por quase um ano.  Infelizmente, não souberam se organizar com eficiência neste período.  Além disso, enfrentaram uma epidemia de bexigas (= doença por vírus, varíola) que alastrou a região.

            Em abril de 1836, chega ao Pará uma poderosa esquadra trazendo o novo presidente legal, o Brigadeiro Francisco José de Souza de Andréia.    Depois de alguma luta, o brigadeiro consegue efetuar um desembarque, e ocupa a capital aos 13 de maio.  Os cabanos, refugiados no interior, já não podiam oferecer grande resistência.  Atacados por forças consideravelmente superiores, vão cedendo terreno e finalmente foram totalmente esmagados.

            Estava assim terminada a revolta (= levante, rebelião) dos cabanos.  É ela um dos mais, senão o mais notável movimento popular do Brasil.  É o único em que as camadas inferiores da população conseguem ocupar o poder de toda uma Província com certa estabilidade.  Apesar da sua desorientação, apesar da falta de continuidade que o caracteriza, fica-lhe, contudo a glória de ter sido a primeira insurreição popular que passou da simples agitação para uma tomada efetiva de poder. 




7. A Sabinada (1837 – 1838)

            A Sabinada, que teve a Bahia como palco, foi também precedida por situação política marcada por largas agitações.  Ao lado de rebeliões nativistas e influenciadas de ideal federativo, verificam-se também na Bahia insurreições (=rebeliões) de negros muçulmanos contra a escravidão.  Assim, a Bahia da primeira metade do século XIX foi assolada (= marcada) por agitações que tinham como participantes vários setores sociais.

            As motivações, da revolta de 1837, constituíram um reflexo da tendência geral das Províncias no Período Regencial: negar a autoridade central e os Presidentes escolhidos para o governo provincial.  A Sabinada destacou-se das demais pela capacidade do seu líder de visualizar um “separatismo provisório”: a República Bahiense existiria somente até a maioridade.  Além, disso, vale destacar também o seu caráter sangrento.  A guerra civil, por ela criada fez centenas de vítimas entre rebeldes e legalistas e milhares de prisioneiros.  No final da revolta o líder, Sabino Rocha foi banido para Mato Grosso onde veio a falecer.




8. A Balaiada ( 1838 – 1841 )

            A Balaiada, no Maranhão, não se apresentou como um movimento único, mas como um movimento fracionado, com levantes sucessivos e ininterruptos indicando direções variadas.  Assim sendo, é bastante difícil encontrar nestes levantes um programa político claramente delineado.

            Repetindo a situação do Pará, no Maranhão as lutas sociais adquiriram um caráter acentuadamente popular.  A intranquilidade social na região era produto de profundas desigualdades sociais intensificadas pela extrema miséria a que estavam submetidas as camadas populares.   Acentuando esta intranquilidade a repressão policial assumia, cada vez mais, um caráter opressivo através de prisões arbitrárias.  Desta forma, repetidas vezes, os vaqueiros, artesãos e negros aquilombados reuniram-se no interior e, desta reunião, nasciam movimentos de massa que muito rapidamente, pela inexistência de um programa político, transformavam-se em manifestações de banditismo.

            Além das agitações populares havia também um desacerto político-partidário.  A oposição ao governo do Maranhão organizava-se em torno do grupo chamado Bem-Te-Vi.  Para este grupo as agitações populares mereciam aprovação somente no momento que servissem de anteparo às interferências centralizadoras.  Caso contrário, preferiam subordinar-se ao centro que sentir seus interesses e posições ameaçadas.  A ala mais radical dos liberais, os Bem-Te-Vis chegavam inclusive a participar de movimentos insurrecionais urbanos.

            Os revoltos conseguiram, por algumas vezes, dominar regiões do interior e emboscar as expedições policiais que iam a seu encalço, além de assaltar cidades e fazendas.  Por duas vezes esta população conseguiu dominar a cidade de Caxias, que depois de São Luis, era a mais importante do Maranhão.  Entretanto, não conseguiram se consolidar no poder, em virtude da dissolução gradual dos bandos armados decorrente do comportamento aventureiro das lideranças sertanejas que se entregavam ao bandoleirismo.

            Os rebeldes contaram com dois principais líderes: Francisco dos Anjos (artesão) e Raimundo Gomes (vaqueiro).  Mas, o movimento não assumiu grande intensidade pela incapacidade de união com escravos revoltados no litoral.  E assim, a desconexão e má orientação, contribuíram para o amolecimento do ímpeto revolucionário, propiciando a vitória das forças do governo.  O presidente de Província e Comandante das Armas, coronel Luis Alves de Lima e Silva, frente a desarticulação do movimento, conseguiu derrotá-lo.




9. A Revolução Farroupilha ( 1835 – 18 45 )

            A Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha, destacou-se entre as revoltas brasileiras, como a de maior duração.

            Merece atenção especial o quadro regional que foi palco desta revolução.  O Rio Grande do Sul, ligado as regiões platinas, estava sujeito aos reflexos advindos da instabilidade política da região, marcado pelas lutas caudilhescas.  Estas lutas caudilhescas foram, por sua vez, geradas pelo tipo de ocupação econômica da região com a formação de grandes propriedades dedicadas a pecuária.

            Alinhando as principais razões da revolução sobressai a de ordem econômica.  A base material gaúcha assentava-se na criação de gado e, principalmente,  na indústria do charque, que era vendido a várias Províncias Brasileiras.  No entanto, os fazendeiros sentiam-se prejudicados pela política tributária opressiva adotada pelo governo central.  Não bastasse o peso dos impostos, o governo estabeleceu uma baixa taxa alfandegária para a carne salgada, que barateava os preços do produto importado, excluía o produto rio-grandense de alguns mercados.

            A indústria riograndense de charque, de base escravista, competia em desvantagem, com a produção dos “saladeros” platinos,  cuja produção estava assentada no trabalho assalariado.  Nesta última, a especialização profissional conferia maior produtividade. 
            Uma parte do manifesto do primeiro governo revolucionário, para ilustrar a pressão e imprudência do Império sobre o Rio Grande do Sul.  “Uma administração sábia e paternal nos teria indenizado de sacrifícios tais e de tão pesadas cargas pela abolição de alguns impostos e direitos: o Governo Imperial pelo contrário esmagou a nossa principal indústria vexando-se ainda mais.  A carne, o couro, o sebo, a graxa, além de pagarem nas alfândegas do país do duplo dízimo de que se propuseram aliviar-nos exigiam mais quinze por cento em qualquer dos portos do Império.  Imprudentes legisladores nos puseram desde esse momento na linha dos povos estrangeiros, desnacionalizaram a nossa província e de fato a separaram da comunhão brasileira”

            No nível político, há que se considerar que o sul era receptivo a penetração das ideias republicanas e do federalismo.  Predominava no sul, um grupo de liberais radicais que não suportavam a excessiva centralização político-administrativa da Regência que defendia, quase que francamente, interesses de grupos paulistas e mineiros. 

            Após a instituição do Ato Adicional, a Assembléia Provincial do Rio Grande do Sul foi dominada pelos radicais, os farroupilhas. Assim sendo, a Assembléia não aceitou a indicação, por parte do centro, de Fernandes Braga para a Presidência da Província.

            Os farroupilhas passaram da simples oposição política a luta armada.   O principal líder farroupilha, Bento Gonçalves, rico estancieiro (=fazendeiro) e comandante da Guarda Nacional local, comandando grupos armados ocuparam a cidade de Porto Alegre.

            O governo provincial não conseguiu reprimir o movimento e o presidente alarmado retirou-se para a Vila do Rio Grande, instalando lá a sede do governo.  Mas, os farrapos dominavam Porto Alegre e em 1836, proclamaram a República Rio-Grandense ou República de Piratini, sustentados por populações rurais e ajuda de caudilhos argentinos e uruguaios.

            Entretanto, apesar de uma série de lutas que haviam demonstrado um equilíbrio de forças, Bento Gonçalves foi preso e 1837, por uma questão de descuido.  Sendo enviado preso a Bahia, conseguiu fugir auxiliado pelos rebeldes da Sabinada.  Ainda em 1837, o italiano Giuseppe Garibaldi juntou aos farrapos e, juntamente, com David Canabarro, liderou uma expedição a Laguna em Santa Catarina ocupou a cidade e proclamou, em 1838, a República Juliana.

            Entretanto, os gaúchos, apesar de se sentirem espoliados, começavam a perceber que embora a luta pelo federalismo devesse persistir, não interessava a secessão (separação).  A secessão levaria obrigatoriamente a perda do mercado nacional de charque que sustentava a produção.

            Em1840, com a Maioridade, D. Pedro II concede anistia aos rebelados do Período Regencial  e um novo presidente foi nomeado para o Rio Grande do Sul.  O novo presidente tenta convencer os gaúchos das vantagens da pacificação, mas, nada obteve em termos práticos.

            Em 1842, o Barão de Caxias isolou militarmente os principais pontos de suporte do farrapos, cortando o abastecimento de provisões e armamentos de procedência uruguaiana.    A inegável superioridade da infantaria das forças imperiais impôs sérias derrotas aos rebelados.  Ao mesmo tempo, Caxias propunha conversações sobre a pacificação com os principais líderes obtendo gradativamente o esmorecimento revolucionário. 

            Aos 1 de março de 1845, Canabarro e Caxias proclamaram a pacificação do Rio Grande  do Sul.  Com o objetivo de reduzir o ânimo de guerrear contra Império,  o governo imperial fez várias concessões: anistia para os derrotados; liberdade aos escravos que participaram da revolução; integração dos militares rebeldes ao exército imperial, respeitando a graduação de cada oficial e a devolução das terras ocupadas ou confiscadas.




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